seu suor

marta barbieri
3 min readSep 19, 2021

Duvido de todas as histórias sobre paquera que começam com uma troca de olhares. Não sei como ela se dá na prática. Arregala-se o olho? Piscadela? São erguidas as sobrancelhas como quem cumprimenta o semi-conhecido que encontra na rua? Pode ser limitação pessoal, mas todas as vezes em que dependi apenas do olhar do sujeito de interesse não arrumei nada. Tudo bem, também não arrumei quando cheguei de outros jeitos.

Ali onde estava, o ambiente não era propício à troca de olhares. Afinal, pouco se via embaixo de duas lâmpadas amarelas de baixa potência, penduradas por fios expostos de gambiarra. O bar tinha arquitetura similar a de uma casa. Na entrada, próxima da rua, ficava o balcão para os pedidos — todo mundo pedia uma cerveja para já, uma ficha para a cerveja futura e alguns copos de plástico. À medida que se entrava na casa, os cômodos funcionavam como o salão, com mesas ocupadas por pessoas que preferiam um ambiente mais reservado. Onde era, ou poderia ser, uma garagem, acontecia uma bela de uma roda de samba. Dois banheiros pequenos, imundos naquela hora, localizados no fundo do quintal, completavam o bar.

Correndo o risco de errar, afirmo que existiam apenas dois grupos habitando a garagem. Os de casa, que em todas as quintas marcavam presença no Bar da Zilda, e os de fora, que só ficariam alguns dias na cidade e aproveitaram aquela noite para beber e se divertir. Como parte do segundo grupo, a meta era não demonstrar o desconhecimento do território e demonstrar apenas que estava, sim, pra jogo.

Em um jogo, no entanto, onde eu era a zagueira que perde o tempo da bola e comete falta no jogador adversário. Naquele breu, não fui vista com interesse por ninguém. Assumi a decisão arriscada de chegar no garoto que chamava atenção por dançar bonito. A ideia era me apresentar e depois dançarmos juntos. Assim que me apresentei, o vocalista deu a notícia que nenhum dos presentes queria ouvir: o grupo faria uma pausa de trinta minutos. Ficou combinado de dançarmos assim que a música retornasse, sucesso. Assim que me afastei para encher o copo, outra pessoa chegou beijando o garoto. Passariam o resto da noite juntos.

Tranquilo. Me aproximei de outro, que não dançava, estava com os amigos e vestia uma camisa do Flamengo. Ele rapidamente me chamou para ir lá fora para conversarmos melhor. Pensei, naquele momento, que quem convida para conversar lá fora não quer, de fato, conversar. Estava certa. Acabamos foi discutindo na rua por causa de futebol, ao lado de uma kombi que vendia hot dog. Comparamos o elenco dos nossos times e tentamos convencer um ao outro sobre qual deles tinha mais potencial para ser o campeão brasileiro daquele ano. Meses depois o Flamengo viria a ser campeão.

Quando em bares da Zilda, embriagados de samba e vontade, o que vale é a intenção.

A intenção é boa e movida por um calor de baixo pra cima, por um brilho no pescoço que só aparece depois de ter cantado junto e batido palmas. Tem um quê de coragem em chegar até alguém, empurrão que é a gelada quem dá. Chamar para dançar é básico, mesmo que se esteja longe de saber como se faz. Chamar para dançar é chamar para resolver o que foi sentido. E pode descambar na mão que vai em direção à cintura, na mão que precisa tirar os cabelos da nuca porque faz calor. E pode não chegar a lugar nenhum. Ficamos a sós com o suor que só um monte de gente junta em um bar pequeno poderia proporcionar — e que, de alguma forma, é bom também.

Pensando em tudo que se passa pela nossa cabeça nesses momentos, fiz uma playlist. Seu nome é inspirado pela canção do Mundo Livre S/A, que sintetiza o pensado, Seu suor é o melhor de você. A audição é recomendada para dias de mormaço e boas intenções.

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